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O tsunami no varejo brasileiro

Em meio à polêmica sobre a isenção do imposto de importação para compras internacionais de até US$ 50 e o programa Remessa Conforme, varejistas asiáticas como Shein, Shopee e AliExpress têm aumentado consideravelmente seus investimentos no Brasil – que já está entre os maiores mercados para as três empresas.

Para piorar o cenário de competição para as varejistas brasileiras, outras empresas como a Temu (a pronúncia é “Timo”) devem desembarcar no país em breve, e cada vez mais redes sociais chinesas, como o TikTok e o Kwai, vão apostar na venda de produtos em suas plataformas através do live-commerce (em que uma pessoa interage com internautas e vende os produtos em uma transmissão ao vivo, dentro da plataforma).

Shein, Shopee e AliExpress entraram no Brasil há poucos anos, mas já conquistaram uma fatia considerável do mercado. A Shopee tem atualmente a maior operação no país, com 7 mil funcionários, vários andares alugados na Faria Lima, em lajes corporativas de luxo, e mais de 120 mil m² de galpões logísticos classe A. Parte do grupo Sea Limited, a empresa diz que 85% das suas vendas já são de vendedores locais, não de produtos importados, e que já tem mais de 3 milhões de sellers em sua plataforma — o marketplace (3P) do Magazine Luiza, por exemplo, tem 281 mil.

Shein (a pronúncia é “She-in”, ou “ela dentro”) e AliExpress têm operações locais menores e não revelam quantos vendedores têm nas suas plataformas, mas também têm escritórios na Faria Lima e não ficam para trás nos investimentos (tanto em gastos com infraestrutura como também em tecnologia). Parte do grupo Alibaba, a AliExpress tem a menor operação logística das três no Brasil, mas traz oito voos semanais de mercadorias da China.

A Shein, que também usa o frete aéreo para suas importações, há poucas semanas fez uma locação que surpreendeu o mercado: alugou da GLP um galpão logístico em construção  de 135 mil m², em Guarulhos (ela já ocupa 80 mil m² em dois galpões no empreendimento, que fica próximo ao aeroporto internacional de Cumbica e tem locatários como Amazon e Magazine Luiza).

“O tamanho desta locação realmente surpreendeu. Tivemos que validar os dados, porque foi bastante representativa”, afirma Leandro Braga, head de inteligência de mercado da Colliers International do Brasil, sobre o movimento da Shein. Foi a maior transação do ano até agora, segundo a consultoria (a segunda maior foi para o Mercado Livre, que alugou 107 mil m² no Prologis Castelo 46), Além dos galpões em Garulhos, a chinesa também ocupa outros dois espaços menores, um deles em Embu das Artes.

Para efeito de comparação com as varejistas consolidadas no país, a Colliers diz que os maiores inquilinos em centros de distribuição de alto padrão construtivo são Mercado Livre (com cerca de 1,2 milhão de m² de área locada), Amazon (427 mil m²) e Magalu.  A Magalu diz que tem 868 mil m²  de área alugada, dos quais 792 mil m²  são da marca e o restante está dividido entre Netshoes, Kabum e Época Cosméticos, e que 80% dos seus galpões são classe A. Amazon e Meli não confirmaram o tamanho de suas operações.

As varejistas asiáticas já alteraram o tabuleiro de disputa no país, afirma Tiago Berta, fundador do Fórum E-commerce Brasil (maior evento de comércio eletrônico do país, que reuniu mais de 21 mil congressistas em São Paulo na semana passada). “Aqui tem cinco empresas (grandes), e o mercado estava passando por uma consolidação”, afirma Berta sobre Mercado Livre, Amazon, Magalu, Via e Americanas. “Agora entraram as asiáticas e a concorrência aumentou. E virão mais empresas de lá.”

Estratégia das recém chegadas

O espaço não só físico ocupado pelas asiáticas, mas também nas palestras durante o fórum, incomodou empresas locais, que reclamaram com a organização. A AliExpress, uma das patrocinadoras do evento (junto com Amazon e Magalu), ocupou um dos maiores stands da feira, bem ao lado da varejista americana e do Mercado Livre.

Briza Bueno, diretora de business development e marketing da AliExpress, afirmou à reportagem que o intuito foi aproximar-se dos sellers. “Fizemos uma promoção de 100% de cashback nas comissões durante os três primeiros meses, para eles testarem a plataforma”.

Para atrair vendedores para o seu marketplace (3P), a empresa do grupo Alibaba cobra comissões bem menores que a concorrência (entre 5% e 8%, ante cerca de 20% na média). Esse percentual pode ser ainda maior, dependendo da quantidade de serviços contratados, como o fullfilment (armazenagem em galpões da própria varejista), a entrega mais rápida ao consumidor e os anúncios (que dão mais destaque ao produto na plataforma).

A estratégia da Shopee para crescer no Brasil também foi zerar a comissão paga pelos sellers. Em geral, as empresas chinesas apostam em subsidiar o frete e dar cupons para os clientes, para fidelizá-los. Essa estratégia é facilitada pela  robustez financeira dos grupos que as controlam (tanto o Alibaba quanto a Sea Limited são empresas listadas na Nyse, aparentemente com disposição de queimar caixa em mercados prioritários, como o Brasil).

Yan Di, ex-country manager da AliExpress no Brasil, destaca a importância do caixa nessa briga, por fatias de mercado, e dá como exemplo o cashburn que a Temu fez para entrar nos Estados Unidos, com tickets de US$ 30 para os novos usuários. “São R$ 150 de subsídio. Aqui no Brasil, são poucas as  compras acima deste valor.”

O executivo também já foi CEO do Baidu no Brasil, trabalhou por 13 anos na Huawei e hoje tem uma empresa de live commerce (que conta, entre os clientes, com empresas como a Shopee e o Kwai). Ele diz que Shein, Shopee e AliExpress conquistaram mercado rapidamente no Brasil porque têm acesso a fornecedores e produtos, apostam em preços baixos, subsídio, eficiência e tecnologia e também porque a concorrência aqui é menor do que na Ásia.

Ele afirma ainda que a América Latina é um mercado “super sensível a preço”, não só nas classes mais baixas, e dá como exemplo a concorrência na China. “Não é só os mais pobres que compram produtos mais baratos. O Pinduoduo, que é da Temu, cresceu porque o Alibaba queria vender só para a classe média. Isso é fatal, porque todos os consumidores querem o menor preço”.

Chinês residente há mais de 20 anos no Brasil (e casado com uma brasileira), Yan Di afirma que o varejo local conheceu apenas “a maré alta” com a chegada das empresas asiáticas, “mas ainda vai ver o tsunami”. “Temu, TikTok, Shein e Shopee vão remodelar o mercado brasileiro de e-commerce. Elas estão sacudindo o mundo inteiro.”

Quem é maior no Brasil?

A Shopee, que no ano passado teve um stand no Fórum E-commerce Brasil, neste ano participou como convidada na sala ApexBrasil. Ela assinou no evento uma parceria com a agência do governo federal e com os Correios para um programa piloto que vai ajudar brasileiros a exportar seus produtos para o sudeste asiático (a AliExpress também tem um memorando de entendimento com a Apex).

Já a Shein fez uma apresentação, em um dos principais palcos do fórum, sobre a expansão das suas operações no Brasil. Country manager da empresa no país, Felipe Fleister contou que estimula seus fornecedores a produzir poucas peças de um mesmo modelo (de 50 a 100 unidades) para testar sua aceitação antes de produzir em escala. Assim, podem oferecer “ preços menores”, porque há uma redução de 20% a 30% nas perdas. Se houver demanda para o produto, o fornecedor  aumenta rapidamente a produção. Se não houver, o descarte é menor.

O executivo afirmou também, em uma palestra bastante concorrida, que o Brasil já é um dos cinco principais mercados da empresa  e que o país foi o primeiro do mundo onde a Shein trabalha o marketplace (3P), com sellers locais, e o segundo a fazer testes com produtores locais nas vendas da própria empresa (1P), só depois da Turquia. “Temos um plano nacional para o Brasil, um plano de crescimento que vai acontecer.”

Fleister foi head de business development na Shopee até ser contratado, em maio de 2022, para liderar a operação da Shein no Brasil. Ele reafirmou, no evento, o plano da empresa de produzir no Brasil 85% dos produtos vendidos na plataforma até 2026 e citou a possibilidade de o país virar um polo de exportação para a varejista chinesa, principalmente para a América Latina. “Nem todos os países vizinhos têm a capacidade industrial do Brasil”.

Com o executivo à frente da operação, a Shein saiu de apenas 10 contratados há 1 ano e 2 meses para 240 atualmente, que ocupam um andar no edifício Vera Cruz II, na “nova Faria Lima”, além da área de logística. A AliExpress tem um espaço próprio dentro do escritório do WeWork na mesma região, a menos de 250 metros da concorrente, e terceiriza toda sua logística para a Cainiao, empresa que também faz parte do grupo Alibaba e cujo escritório fica no Regus Torre Z, na Chucri Zaidan.

Já a Shopee tem cerca de 7 mil funcionários e uma operação bastante relevante no país: ocupa mais de 120 mil m², em ao menos 11 galpões logísticos espalhados pelo Brasil, e seus funcionários dividem-se  por três andares no Birmann 32 (mais conhecido como “o prédio da baleia”), no “coração” da Faria Lima, e por mais sete pisos no Faria Lima Plaza, no largo da Batata, segundo a Colliers.

Procurada, a Shopee não atendeu ao pedido de entrevista da reportagem. Francisco Rios, COO (diretor operacional) da Sea Limited para a América Latina, procurado no Fórum E-commerce Brasil, tampouco quis se manifestar. Foi Rios quem assinou o acordo com a ApexBrasil e os Correios.

Brasileiras querem equidade no tratamento fiscal

O Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), que representa os interesses das varejistas brasileiras, estima que as remessas internacionais de pequeno valor (de até US$ 50) somaram R$ 20,8 bilhões entre janeiro e maio deste ano e que a perda de arrecadação federal foi de R$ 12,5 bilhões no período. O estudo foi entregue ao Ministério da Fazenda há cerca de duas semanas.

Formada por 115 marcas do varejo de moda, a ABVTEX tem sido uma das associações mais vocais contra o que chamam de “concorrência desleal” das varejistas asiáticas. Lima diz que o problema não é a concorrência em si, mas a falta de igualdade de condições. “Não somos contra a chegada dessa concorrência, dessa chegada das plataformas internacionais. Só queremos que elas contribuam com o pagamento dos tributos da mesma forma que o varejo nacional”.

As varejistas brasileiras criticam a isenção empresas do pagamento do imposto de importação de 60% sobre compras internacionais de até US$ 50. “Se não for para aplicar a alíquota de 60% [para as importações], que o governo então isente de pagamento de imposto as vendas do varejo brasileiro até o equivalente a US$ 50. A gente quer isonomia, por isso está pressionando o governo. Queremos um tratamento igualitário”.

As varejistas com capital aberto na Bolsa, como C&A, Renner e Riachuelo, foram procuradas mas não se manifestam oficialmente sobre o tema – apenas pelas associações. “Assim como o varejo nacional é onerado pelos tributos, os sites internacionais têm de se adequar e pagar o mesmo imposto”, afirma o porta-voz da ABVTEX. “Entendemos que a concorrência é saudável, mas ela tem de ocorrer em termos de equidade”.


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